Joust Cocktail #4: Rebuild da Placa de Som

Meu arcade Joust Cocktail, da Williams, funcionava perfeitamente, e eu julgava ter em mãos um exemplar que havia passado por uma restauração completa, inclusive na parte eletrônica.

Até que um dia, subitamente, o som parou de funcionar. Minha suspeita inicial passou por algum fio solto, mau contato no potenciômetro de volume, eventualmente um fusível queimado ou algo desta natureza. Afinal de contas, em outros arcades, eu nunca havia presenciado um volume indo a zero sem aviso prévio.

Em inúmeros testes que fiz, não descobri nada.

Por dica de um grande amigo do colecionismo de Atari, eu retirei a placa de som e enviei para um “especialista” dentro do Brasil. Por motivos diversos, não vou entrar em detalhes a respeito do nível da tentativa de reparo que se sucedeu a partir daí. O fato é que o som do arcade não voltou a funcionar.

Foi neste momento que comecei a pesquisar em fóruns específicos e descobri, nos Estados Unidos, um colecionador conhecido como especialista em arcades da Williams. Eu nunca deixo de me impressionar com o nível de segmentação destes entusiastas que lidam com a parte técnica dos arcades. São pessoas que costumam se especializar em partes específicas de um mercado que já é considerado um nicho.

É muito interessante descobrir que pode existir alguém dedicado a consertar somente uma marca de arcades que fabricou não mais do que 10 modelos, e ainda assim ter demanda constante de serviços. Muitas destas pessoas fazem isto como um hobby que se transformou em uma rentável (e agradável) segunda profissão.

Brad Raedel, The Williams Specialist

E foi assim, por recomendação inequívoca, que cheguei ao Brad. Para minha surpresa, apesar da demora inicial para receber uma resposta dele a respeito do conserto, o que se sucedeu foi uma excelente comunicação, com respostas rápidas, esclarecedoras e assertivas.

Cabe também uma observação: há outras pessoas que reparam placas da Williams. Porém, alguns exigem o envio do conjunto completo de placas do arcade, o que não é desejável, uma vez que está sujeito a extravios, como ocorreu com o monitor original do meu Black Widow. Brad, ao contrário, possui um completo rig de testes, possibilitando enviar apenas o componente que apresenta defeito.

Contato: Brad Raedel está disponível através do e-mail brad@raedel.us.

E assim retirei a placa de som novamente do arcade. Uma curiosidade que notei é que  a minha placa indica ser originalmente do Stargate, outro jogo da Williams, da mesma época. 

O sistema da Williams é basicamente o mesmo para todos os arcades da Época de Ouro dos Arcades, o que muda são as memórias dos diferentes sons da Rom Board, personalizados para cada jogo. Desta forma, é plenamente possível intercambiar placas de um arcade para outro.

Um site que possui bastante informações sobre a Rom Board da Williams, é o Jester’s Attic – especialmente este artigo interessante, o qual recomendo a leitura

Ao contrário das experiências que tive com o reparo dos monitores do meu Black Widow, que demoraram semanas, Brad parece ter o hábito de receber, consertar e devolver em poucos dias – neste caso da placa de som, o reparo foi concluído aproximadamente 24 horas, o que achei muito impressionante.

Acompanhe o vídeo em que Brad explica tudo o que fez na placa de som do meu Joust:

É realmente inacreditável a quantidade de “gambiarras” que Brad teve que desfazer, devido ao aventureiro que mexeu previamente na minha placa aqui no Brasil. E tudo isso por um valor fixo de conserto, que é proporcional ao valor da placa. Eu fiquei realmente impressionado com o altíssimo nível de profissionalismo de Brad.

O Conserto, Passo a Passo

É um pouco difícil descrever com detalhes tudo o que Brad fez e demonstrou no curto vídeo de 3 minutos. Porém, na medida do possível, para quem não conseguiu entender devido ao afiado inglês do Brad, eu vou tentar descrever os principais reparos. Nas imagens a seguir, há uma mistura de fotos de antes e depois dos reparos, para melhor compreensão do procedimento. A ordem, portanto, não é cronológica.

A primeira constatação que Brad fez foi que a placa estava coberta por uma espécie de verniz, acabamento “sugerido” pelo brasileiro que sequer terminou o conserto. Os puristas não admitem e não entendem o motivo deste tipo de intervenção, e por este motivo Brad tentou lavar e retirar o que foi possível.

Os capacitores eletrolíticos são sempre substituídos quando é feito um rebuild de uma placa, e com Brad não foi diferente, ele realmente trocou todos. Eles podem não estar necessariamente defeituosos, mas, com o tempo, tendem a perder suas propriedades.

O procedimento de rebuild determina a substituição de todos os capacitores, caso a reposição seja feita por peças garantidamente de boa procedência, o que contribui para o bulletproofing do equipamento (prevenção de novos problemas e aumento da durabilidade do conserto).

Nos casos em que a procedência dos capacitores não é garantida, o recomendado é testar as medidas de todos eles e substituir apenas aqueles comprovadamente com defeito (este approach é adotado por alguns especialistas que preferem preservar a originalidade o máximo possível).

Em tempo, Brad explica que, em 3 capacitores de menor tamanho, ele substituiu os tradicionais de alumínio pelos de tântalo (amarelos), que apresentam melhor qualidade. 

O DAC (Digital-to-Analog Converter) é um dispositivo utilizado para converter um sinal digital em um sinal analógico, como o próprio nome já diz. Ele é necessário para que o som gerado pela placa seja reproduzido pelos autofalantes. Neste caso, o DAC havia sido “soquetado” para facilitar sua substituição, como se vê na imagem. Esta não é uma boa prática, então o soquete foi retirado. Porém, para piorar, uma das pernas do componente havia sido quebrada e soldada. Diante disso, o DAC foi substituído por um novo.

PIA e CPU: estes foram vítimas das piores gambiarras. PIA é o Peripheral Interface Adapter, responsável pela entrada e saída de sinal da placa. Este componente costuma apresentar defeito com certa frequência. Alguns profissionais nem o testam e já o trocam de imediato, porém ele estava funcionando.

Aqui o problema é que tanto a CPU quanto o PIA foram soquetados e, durante o processo, trilhas da placa foram rompidas. Além disso, como é possível ver na segunda imagem, o socket do PIA (de baixo na foto), que é de 40 pinos, foi construído utilizando um soquete de 32 pinos e outro de 8 – o que eu achei particularmente inacreditável. Brad retirou os soquetes e consertou as trilhas utilizando folhas de cobre.

Alguns circuitos integrados (CIs), além de soquetados, foram substituídos por modelos errados. Brad retornou os originais, que não apresentavam defeito. 

O CI mais à direita é o 7442, e este era o único que apresentava defeito. Brad descobriu isto verificando os componentes originais que foram enviados junto com a placa. Este 7442 defeituoso havia sido substituído por um modelo similar (durante a tentativa de reparo no Brasil) mas com uma função ligeiramente diferente, que costuma causar problemas na placa, portanto foi substituído novamente.

A EPROM 2532 também havia sido retirada e instalada novamente sobre uma placa adaptadora, o que Brad definiu como “uma verdadeira bagunça” – ele fixou corretamente a EPROM e colocou um novo adesivo repro que ficou muito bom, embora diferente do original (a primeira foto deste post mostra o adesivo original saindo fora, ele possui uma cor verde fluorescente).

Molex headers é o nome técnico destes plugs machos que recebem a conexão através do chicote do arcade, que contém plugs Molex fêmea. Uma excelente prática adotada pelo Slackmoe ao reparar meu monitor Black Widow, e também adotada por Brad, é a substituição deles por headers que contêm pinos quadrados.

Os pinos quadrados possibilitam um encaixe mais firme do plug fêmea (sendo que este não precisa ser substituído), proporcionando assim um melhor funcionamento, menos sujeito a maus contatos.

Por fim, todos os componentes que seriam substituídos foram retirados da placa, e esta foi lavada com o Simple Green – uma espécie de detergente/desengraxante amplamente utilizado para a limpeza de componentes eletrônicos e também de painéis e artes-finais de arcades de forma geral, pois é conhecido por não danificar pinturas.

Posteriormente, acabei trazendo alguns frascos de Simple Green ao Brasil para utilizá-los na manutenção dos arcades, já que não consegui identificar um produto similar em nosso mercado.

Um aspecto interessante a ser observado é a qualidade da solda utilizada por Brad. Olhando para o seu trabalho, eu não consigo diferenciar a solda dele da original de fábrica.

Porém, o mais impressionante de tudo é a sua bem planejada bancada de testes, em que ele consegue conectar qualquer componente e efetuar diagnósticos de forma rápida e precisa. Isso é algo que eu nunca tinha visto antes, e acredito ser possível pelo fato de Brad se dedicar a consertar arcades somente da Williams. Além, é claro, de fazer parte da sua genialidade de planejamento:

Placa Recebida no Brasil 

Passadas algumas semanas do reparo da placa de som do Joust, eu a recebi no Brasil:

É interessante observar o antes e o depois desta Sound Board, ao colocar as imagens lado a lado:

A instalação da placa de som de volta ao arcade é bastante simples, porém o acesso é difícil. O Joust Cocktail, uma vez aberto, não oferece local fácil de apoio para chegar à parte interna, onde a placa é instalada.

A utilização de uma chave de fenda magnetizada é indicada devido a essa dificuldade de acesso.

Por fim, placa instalada, e temos o som novamente! Este é sempre um momento de certa apreensão e, se tudo estiver funcionando, de alegria:

Este post é parte de uma série. Os capítulos anteriores são: Post Introdutório: Joust Cocktail – Beleza, Inovação e Cooperative Play, 01 – Restauração Estética nos Estados Unidos, 02 – Chegada ao Brasil – Uma Joia Rara e 03 – Ventoinha e Primeiras Partidas.

O próximo post é o 05 – Rebuild das Placas Principais – Parte 1.

Conheça o passo a passo da restauração do Joust Cocktail, arcade da Williams, através do índice dos capítulos.