O Fantástico Simulador de Game & Watch

Quem viveu os anos 80 lembra-se dos fantásticos jogos portáteis do passado. Em uma época em que não existiam Game Boys ou PS Vitas, os Nintendo Game & Watch eram reis, isso para não falar de outras marcas que fabricavam os joguinhos portáteis com telas LCD ou LEDs (não tela de LED, mas sim lâmpadas).

Uma característica marcante da linha Game & Watch era a famosa seleção de dificuldade feita através dos botões “Game A” e “Game B“:

Turtle Bridge Wide Screen Series - AntonioBorba.com

Turtle Bridge, Game & Watch Wide Screen Series, simulado pelo MADrigal

Com cerca de 60 títulos só da marca Nintendo, os Game & Watch viraram peças de coleção, a exemplo dos Ataris e outros videogames antigos. Custando de US$ 50 a US$ 200 usados, podem eventualmente ser encontrados em estado de novo (“new old stock”) por cerca de US$ 400 em sites como o eBay, ou seja, quase o mesmo valor que uma máquina de arcade.

Ao contrário dos consoles portáteis modernos em que jogos podem ser trocados na forma de cartuchos ou comprados on-line, nos portáteis do passado cada console possuía apenas um game. Devido à falta de recursos de hardware, parte dos gráficos (geralmente a colorida) era aplicada diretamente no visor através de um adesivo.

Porém, para felicidade de apreciadores do gênero, é possível usufruir algumas dessas preciosidades sem custo algum através dos MADrigal’s Simulators.

A difícil arte da simulação

Mais do que um simples programa, os simuladores do MADrigal são verdadeiras obras de arte. Repare que mencionei no plural porque cada jogo necessita de uma simulação exclusiva, programada de forma diferente! Portanto, antes de baixar o software e se divertir jogando, eu gostaria de chamar a atenção do leitor para o trabalho meticuloso envolvido neste processo.

O método mais conhecido para reproduzir um videogame antigo nos computadores modernos é através da emulação. O exemplo mais fácil de citar é o Stella, emulador de Atari 2600 conhecido por muitos. Os criadores do Stella desenvolveram uma rotina que reproduz o comportamento do processador do Atari e todas as suas rotinas, portanto, ao rodar o código-fonte original de qualquer jogo, o resultado que se vê na tela é idêntico ao original. Uma vez que o processador foi corretamente emulado, qualquer um dos 500 jogos já desenvolvidos vai funcionar.

Entretanto, no caso do Game & Watch e similares portáteis, cada jogo é completamente diferente. O visor possui um número variado e irregular de posições e geralmente a imagem é criada via hardware, não via software. O software apenas comanda o acendimento de cada posição e a rotina do jogo, que é escrita manualmente para cada versão. Portanto, é impossível emular um Game & Watch, e resta simular cada um, de forma individual.

Além do exemplo anterior, o Turtle Bridge, que representa um G&W Wide Screen Series, como mais seria possível reproduzir um complexo game Multi Screen como Donkey Kong, se não através de uma simulação? Veja a complexidade de posições e tente imaginar a rotina envolvida nesse jogo, em comparação com as 5 posições do Turtle Bridge:

Donkey Kong Multi Screen Series - AntonioBorba.com

Donkey Kong, Game & Watch Multi Screen Series, simulado pelo MADrigal

O software do MADrigal é composto por um conjunto de 57 diferentes simuladores que podem ser unidos através de uma interface-mãe chamada de MADrigal CD Collection:

MADrigal CD Collection - 57 Games Simulados - AntonioBorba.com

Além de conter diversos games que podem parecer obscuros, o conjunto de simuladores traz pérolas de difícil acesso no Brasil da época, como, por exemplo, Mario’s Bombs Away, um G&W Panorama Screen:

Mario's Bombs Away Panorama Screen Series - AntonioBorba.com

Mario’s Bombs Away, Game & Watch Panorama Screen Series, simulado pelo MADrigal

Quem é esse louco, o MADdrigal?

Luca Antignano, a pessoa por trás de MADrigal - AntonioBorba.comEu sempre acreditei que a pessoa tinha que ser um pouco “maluca” para desenvolver todos esses simuladores, e confirmei isso de verdade quando entrevistei Luca Antignano, um italiano de 40 anos, formado em Engenharia Arquitetônica, que trabalha com web design (mais na parte de programação e editoração), cujo hobby, obviamente, é desenvolver simuladores sob o codinome MADrigal.

Digo palavras como  “louco” e “maluco”, de certa forma presentes em seu nickname, obviamente no bom sentido, porque depois que descobri o método utilizado por Luca para programar seus games, tive muita certeza de que isso exige uma disciplina fora do normal para a maioria das pessoas. Afinal, como simular um jogo sem ter seu hardware emulado?

Bem, tudo começa quando Luca faz um scan dos games, ligados e desligados. Em alguns casos em que o jogo original não possui o modo “ACL” (que liga todos os sprites de uma vez só), esse processo pode levar horas. Games de LCD permitem utilizar uma câmera para capturar os sprites, mas games de LED light já não permitem porque a imagem borra, nesse caso Luca precisa abrir o jogo e tirar fotos com a tela desligada.

O mais impressionante é perceber como ele registra o “timing” das animações. Segundo Luca, ele grava o áudio dos jogos e depois, utilizando um editor profissional, mede o tempo entre os “beeps”. Isso permite a ele programar as rotinas de movimento. O problema não é esse, ocorre que, como a simulação é feita manualmente, Luca precisa gravar séries imensas de áudio para entender como e quanto a velocidade dos jogos aumenta. Portanto, ele precisa ter a habilidade para jogar até a última fase do jogo!

Se isso não fosse o suficiente, Luca precisa manter registro do número máximo de inimigos na tela, pois cada jogo também tem um limite para isso, e precisa entender como funciona a tabela de pontos de acordo com a progressão das fases. Obviamente, o processo pode levar muitas horas até que se entenda todas as possibilidades de um simples jogo.

O processo completo de simulação exige a dedicação de Luca por um período que pode levar de dois dias a um mês. E aposto que isso é trabalhando na velocidade de uma pessoa muito inteligente e experiente, pois mesmo um mês de trabalho me parece muito pouco diante do desafio perfeccionista que Luca se propõe a conduzir em cada simulação.

O futuro dos simuladores de MADrigal

A única sensação de “pena” que tive foi perceber que alguns Game & Watch que fizeram parte da minha infância (muitos emprestados de amigos) não foram simulados. Talvez os mais populares dependessem muito da região ou país onde vivemos nossa infância… senti falta de títulos como Fire, Fire Attack, Oil Panic, Green House e Mario’s Cement Factory. De qualquer forma, eu consegui comprar um Green House diretamente de Luca (sim, um G&W original), porém me senti frustrado como uma criança ao perceber que tenho o game mas não as pilhas 🙂

Green House Game & Watch Original - AntonioBorba.com

Infelizmente para todos nós, Luca já cansou de desenvolver simuladores e diz que vai parar por aqui. Eu pessoalmente não acredito muito nisso e prefiro pensar que ele resolveu dar uma pausa e em breve poderá voltar a criar novas diversões simuladas para nosso deleite.

Enquanto isso, Luca diz que está aperfeiçoando o nível de detalhe dos simuladores já existentes. Difícil de acreditar que possam ficar ainda melhores mas, segundo ele, um eterno perfeccionista, ainda falta muita coisa, como, por exemplo, a sombra projetada pelo LCD na tela dos games. Incrível, não?

Enfim, vamos lá pessoal, visitem o site do MADrigal e acompanhem todo o fantástico trabalho dele – que ainda inclui um emulador do videogame CreatiVision, mais conhecido do outro lado do Atlântico.

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