Roger Waters The Wall 2012 e um Mar de Celulares
Como fã incondicional, eu assisti ao primeiro show do Roger Waters na nova turnê The Wall que ele está apresentando no Brasil. Foi em Porto Alegre, antes de a turnê seguir para Rio de Janeiro e São Paulo, onde Roger finalizará sua agenda no País. Eu acompanho a carreira do ex-vocalista do Pink Floyd desde a minha adolescência e também assisti ao show In the Flesh em 2002 no Pacaembu, ou seja, 10 anos atrás. De fato, esse é um artista que não costuma dar show toda hora.
Há muitos anos, eu criei um site para traduzir e debater as letras de Roger Waters. O site é dedicado à carreira solo do artista, entretanto, por pura falta de tempo, esse foi um projeto que infelizmente abandonei. Dentre os planos estaria revisar todas as traduções e interpretações sob novo enfoque (afinal, fiz isso há mais de 10 anos) e acrescentar os álbuns The Wall e The Final Cut que, apesar de serem do Pink Floyd, são claramente uma manifestação solo de Waters, que cada vez mais separava seu caminho da banda que capitaneava com David Gilmour.
A nova turnê The Wall
A nova turnê The Wall foi reinventada. Quem conhece a obra-prima do Pink Floyd através de álbuns como The Wall Live in Berlin, gravada em 1990 quando o muro que separava as Alemanhas caiu, vai se surpreender com o novo show. Encontrará uma parede multimídia, com projetores de alta resolução completamente alinhados e sincronizados com cada tijolo, capazes de produzir efeitos especiais dignos de Hollywood.
A respeito das músicas, Waters seguiu à risca o set da obra. Não há neste show outras baladas do Pink Floyd nem da carreira solo do artista. Entretanto, não há nada que fale mais sobre esse gênio veterano do que a ópera rock que representou toda uma geração. The Wall fala dos conflitos que assolaram a vida de Waters desde a sua infância: pai morto na guerra, mãe superprotetora, escola repressora, passando por protestos contra o governo e seguindo até a carreira de megastar do rock, com direito a uma passagem tortuosa pelas drogas, separação da esposa, depressão e traumas que construíram a parede tijolo após tijolo. Uma vez entendidos e vivenciados, esses conflitos foram expostos ao mundo e derrubados com a parede, representando o início de uma nova vida.
Waters fez questão e foi bem sucedido na tarefa de compartilhar e estender seu drama pessoal ao mundo. Como afirmou durante o show, Waters achava que The Wall era sobre ele, mas depois descobriu que era sobre todos nós. É verdade. Cada pessoa pode achar pontos em comum com os conflitos apresentados na obra. Em sua cruzada contra o terrorismo de estado e a favor dos direitos humanos, Roger faz questão de lembrar a todos, permanentemente, sobre as pessoas desaparecidas em virtude de governos mundo afora – the fallen ones. Essas pessoas têm sua voz através da gigantesca parede em diversos momentos do show e também durante os 15 minutos de intervalo:
Enfim, The Wall Brasil chegou como um show modernizado, antenado com a realidade do mundo. Quem esperava encontrar uma obra retrô ou com os pés no passado, surpreendeu-se. Novos vídeos produzidos em computação gráfica dão à parede de Waters efeitos tridimensionais e caracterizam críticas inteligentes à sociedade de consumo, como no belo exemplo em que as bombas da Segunda Guerra Mundial foram substituídas por símbolos do poder de Estado e até logomarcas das grandes corporações como McDonald’s, Mercedes e Shell, que são derrubadas impiedosamente sobre nossas cabeças:
E assim as coisas se sucedem até o clímax, no qual a parede vem abaixo em um surpreendente novo efeito… confesso que eu esperava The Wall sendo derrubada vagorosamente como em Berlim, tijolo a tijolo. Certamente, eu não estava preparado e fui surpreendido positivamente pela violência explosiva do mais teatral e representativo dos atos do show:
Enfim: The Wall representa uma geração pós-guerra. The Wall representa uma juventude que ansiava por se libertar da opressão. É uma velha Europa posta à prova, mas também é o consumismo americano desafiado. É o imperialismo e o terrorismo de estado colocados em cheque, expostos de forma patética. Em suma, The Wall acaba representando a exposição do nosso íntimo e dos nossos medos mais profundos. Waters dá uma bela lição de vida ao se libertar das amarras que o prendiam e expor a vida que ocultava por trás da parede. Mais do que um show competente de rock, The Wall tem o poder de nos fazer refletir sobre nossas vidas.
Quer mais? Confira as fotos do The Wall em meu Flickr.
Um gigantesco mar de celulares
Agora, infelizmente, é preciso falar sobre a postura e a educação das pessoas, fato observado por qualquer um que gosta de apreciar um bom show. Por apreciar um bom show eu quero dizer, primeiramente, poder assistí-lo e curtir seus momentos, o que torna-se muito difícil com o mar de câmeras e celulares que inundam qualquer momento de nossas vidas. Se já é difícil enxergar o palco para quem não é lá muito alto, com braços levantados formando uma barreira de gadgets, torna-se uma frustração:
Seguindo a recomendação da organização – fotos devem ser tiradas, em primeiro lugar, sem uso do flash, sendo o ideal tirar fotos ocasionais, em momentos-chave que você quer levar como lembrança. Bem diferente daqueles que parecem cinegrafistas oficiais da turnê – pessoas que pagaram R$ 500,00 no ingresso para passar o show todo atrás de um iPhone filmando!
A situação chegou ao cúmulo do absurdo quando, em uma parte do show em que Waters canta por trás da parede (ou seja, sem nenhum espetáculo visual), eu presenciei pessoas filmando a música toda. Ótima ideia…
A verdade é que 90% das pessoas vão ao show de Roger Waters por causa do Pink Floyd. Elas não conhecem o magnífico trabalho solo de Waters, o que eu até entendo, até mesmo Waters sabe disso. Não entender inglês é outro problema, pois The Wall torna-se verdadeiramente grande a partir da compreensão das letras e da história de vida que conta.
UPDATE: após eu escrever este artigo, no dia 05/04/12 o site UOL fez uma matéria interessante sobre o tema e entrevistou algumas pessoas. Confira clicando aqui.
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