Como Comer Comida Árabe nas Arábias

O título deste post me lembra uma piada do comediante Seinfeld, na qual ele fala que não se pede comida chinesa na China, mas apenas “comida”.

Da mesma forma, não se pede “comida árabe” no mundo árabe. A origem dessa culinária passa por diversos países da região, principalmente Síria e, na maior parte das vezes, Líbano. Sabendo disso, fica muito mais fácil buscar um restaurante árabe em países do Oriente Médio.

Obviamente, “Arábias” também é uma sátira. Faz alusão à Arábia Saudita, maior estado árabe, que se estende do Mar Vermelho ao Golfo Pérsico. Mas em qualquer país da região, da Turquia até os Emirados Árabes Unidos (UAE), é possível achar fantásticos restaurantes de, portanto, comida libanesa.

Wafi Gourmet - Culinária Libanesa da Melhor Qualidade em Dubai - Antonio Borba

A foto acima é do Wafi Gourmet, o melhor restaurante que visitei em Dubai, com três pontos na cidade. A unidade do Dubai Mall possui mesas externas nas quais é possível assistir aos shows das maiores fontes dançantes do mundo (“The Dubai Fountain”), aos pés do Burj Khalifa. No Wafi, as comidas estão dispostas em diversas gôndolas, em uma variedade indescritível. A foto mostra somente a seleção de azeitonas (ao centro), mas há seções específicas para comidas frias, quentes, kebabs e sobremesas, além de temperos, frutas e especiarias. Para completar, é possível escolher entre mesas para não fumantes e  fumantes (nas quais é servida a shisha ou narguile). Em países como os UAE, onde o álcool é proibido para o povo muçulmano, é comum observar famílias fumando diversas shishas ao mesmo tempo, geralmente de forma individual, antes, durante e depois da refeição.

Semelhanças entre “comida árabe” e “culinária libanesa”

A principal semelhança que podemos perceber em relação ao que conhecemos no Brasil, são os pratos de entrada. Todos eles estão presentes e alguns são facilmente identificáveis:

  • Baba ghanoush: a tradicional pasta de berinjela. O sabor costuma ser superior e mais refinado do que as versões que conhecemos no Brasil.
  • Hommus/hummus/hummous: pasta de grão-de-bico. Entretanto, seja pela origem da leguminosa ou pelo tempero local, o hommus encontrado nos países árabes é inigualável e muito mais saboroso. É frequentemente oferecido em versões temperadas, misturado com especiarias, e costuma ser servido com grãos de feijão ou grãos-de-bico inteiros ao centro, formando uma combinação muito interessante.

Fatoush, Hommus e Kibbeh - Iguarias da Culinária Libanesa Legítima - Antonio Borba

  • Labneh: curiosamente, a entrada fria mais comum dos restaurantes árabes brasileiros foi o prato mais difícil de conseguir localizar, pela diferença de nomes. O que nós conhecemos como coalhada, termo tipicamente brasileiro, para a culinária libanesa é o labneh, muitas vezes oferecido em combinações temperadas com alho (incomuns por aqui). De qualquer forma, se você busca a coalhada pura, sem alho, peça o “labneh plain“. Este foi um dos poucos pratos que considerei possível comer com sabor igual ou melhor no Brasil.
  • Pão sírio: o pita bread acompanha toda entrada, assim como em nosso país. Entretanto, no oriente costuma ser muito mais interessante. Há versões crocantes, mais finas e cheias de ar. O ar quente que fica preso dentro do pão ajuda a mantê-lo aquecido por mais tempo. Curiosamente, foi no Sultan Restaurant, em Guangzhou/China, que meu amigo Cesar Gollo registrou talvez o maior pão já visto em uma mesa árabe:

A Lenda de Cesar e o Gigantesco Pão Sírio na China - Antonio Borba

As saladas merecem uma análise criteriosa. Nas fotos acima é possível ver o fattoush, que é muito parecido com aquele encontrado no Brasil. Porém, por aqui temos uma ampla variação com relação às formas de preparo e temperos utilizados. Isso inclui algumas versões que eu considero particularmente bizarras, que utilizam romã na forma de sementes e/ou caldas doces, estragando completamente a salada. Já nos países árabes o prato é feito da forma que realmente merece ser apreciado: sem temperos doces, contendo legumes cortados em pedaços maiores e com uma padronização do pão sírio torrado, que geralmente é servido da mesma maneira. Porém, o mais fantástico é o tempero, que representa um mundo de diferença: o típico fattoush árabe leva uma especiaria chamada sumac (também conhecida como sumak ou sumagre), que tem um sabor similar ao limão (também utilizado no preparo), porém mais refinado. Além do sumac, outro tempero que dá um sabor muito especial ao fattoush da região é a menta, sendo esta a principal característica que identifica a salada nos países árabes e a diferencia do prato brasileiro. Por aqui, infelizmente, nunca experimentei tempero tão sofisticado.

O tabbouleh também é facilmente encontrado, porém, de forma diferente do que vemos em grande parte dos restaurantes árabes no Brasil, não contém trigo. Em algumas variações, tem no lugar deste o bulghur ou bulgur, mas em boa parte das receitas simplesmente não contém o cereal, sendo preparado com uma grande quantidade de salsinha e tomate. Um lugar em Curitiba que prepara um tabule diferente dos demais e muito parecido com o típico prato da culinária libanesa é o restaurante Velho Oriente – vale conferir! O fattoush deles também é muito bom, sendo um dos melhores da cidade, mas infelizmente ainda fica muito longe do original árabe.

Tabbouleh Tipicamente Libanês - Antonio Borba

O quibe é um capítulo à parte, por ser preparado de formas diferentes em cada país, até mesmo por ser um lanche/entrada adaptado ao estilo local sem muito compromisso. Curiosamente, alguns restaurantes não o oferecem. No Jedoudna, em Dubai, eu tive a oportunidade de experimentar um kibbeh fantástico, muito diferente do nosso. Apesar de frito e preparado no mesmo formato que conhecemos, sua carne é muito mais macia, vem praticamente desmanchando, e tem um sabor muito diferenciado, temperado com algo que me lembrou a páprica. Isso transformou um prato que geralmente não gosto em um dos meus preferidos.

Principais diferenças entre as culinárias

Apesar das entradas e saladas serem muito parecidas, diferindo principalmente no tempero e sabor, com relação à comida quente a mudança é consideravelmente maior. No Brasil, a principal versão que temos de carne árabe é a kafta. Embora exista em diversas culturas, chamada de kofta, kofte ou variações similares, parece não estar presente na maior parte dos restaurantes libaneses.

O que encontramos de forma muito disseminada é o kebab, popular espeto de carne e talvez o prato que mais contém variações regionais e sinônimos. O “churrasco árabe”, na verdade, é quase sempre oferecido em forma de espetinhos como esse, que em alguns lugares é chamado também de shish (que possivelmente derivou para o “xixo” brasileiro). Uma característica muito forte entre as inúmeras variações é a presença de temperos e especiarias. A carne, que geralmente é de carneiro ou frango, costuma ser marinada com uma grande combinação de ervas e molhos, há versões com coalhada e outras com muito tempero verde. Abaixo, um típico prato que saboreei contendo dois kebabs de carneiro, sendo um temperado com ervas e outro com coalhada:

Kebab - A Carne Típica da Culinária Libanesa - Antonio Borba

Outra carne sempre presente nos restaurantes libaneses é o shawarma. No Brasil, este prato é conhecido como um sanduíche de carne, frango, queijo ou outros ingredientes enrolados em um pão sírio. Não está errado, mas o shawarma é, na realidade, um espeto vertical que contém um grande pedaço de carneiro, frango ou até mesmo carne bovina e outras misturadas. É muito conhecido também na Grécia, onde é chamado de gyros, e na Turquia, onde recebe o nome de doner kebab. A forma de servir pode ser através de fatias ou na forma de um wrap, que é o sanduíche árabe mais comumente visto no Brasil.

Nosso conhecido “charutinho” também é muito diferente em países árabes. A versão com repolho, arroz e carne moída existe, mas eu não vi nem sinal nos restaurantes que frequentei. Seu nome original é malfouf, mas não aconselho perder tempo procurando. Já a versão com folhas de uva é encontrada facilmente, porém preparada de forma radicalmente diferente do que conhecemos por aqui. Na culinária árabe, chamado de wara’ enab, grape leaves ou, mais comumente, vine leaves, é servido geralmente frio e possui tempero azedo. Eu não consegui localizar uma variação quente, embora seja possível que exista.

Outra comida famosa no Brasil, o arroz com lentilhas, é muito difícil de ser encontrado nos restaurantes libaneses. Em todos que tive oportunidade de ir, a opção era sempre o arroz branco. Entretanto, o prato existe e é preparado com uma variedade de grãos (entre eles, o arroz) em combinação com a lentilha e a cebola frita no topo. O nome libanês deste prato é mujaddara, e, como quase toda comida da região, possui inúmeras variações de nomes e preparos.

Afinal, e a esfiha?

Se tem algo que me deixou encucado desde o primeiro dia em contato com a culinária regional árabe, é como a esfiha, prato tão popular e onipresente no Brasil em qualquer restaurante típico, é um mero lanche para o povo libanês. Começa que o prato não está presente em boa parte dos cardápios, deixando claro que não faz parte da comida mais tradicional da região. Para piorar, ao pesquisar na internet é possível achar blogs discorrendo sobre o nome sfiha como sendo o original. A realidade nos países árabes é completamente diferente.

Demorei a descobrir, mas a esfiha aberta, originalmente, é o prato conhecido como manakish ou manakeesh. A base dos recheios é bem mais simples do que aqui, onde o prato virou uma espécie de pizza com inúmeros sabores. O típico manakeesh árabe é preparado com combinações de zaatar/za’atar, queijos e carne, ou ainda com estes ingredientes isolados, sem misturas.

Manakish ou Manakeesh de Zaatar - A Típica "Esfiha" Libanesa - Antonio Borba

Já a esfiha fechada, ainda mais rara, é chamada originalmente de fatayer e suas combinações mais comuns de recheio são à base de espinafre, queijo ou carne, sem misturas.

Curiosamente, nós brasileiros estamos acostumados a comer este prato com muito mais tempero por aqui. Portanto, não devemos ter muita expectativa ao saborear uma típica esfiha árabe, pois o prato é bastante básico.

Uma analogia bem interessante pode ser feita entre as esfihas brasileiras e os originais pratos árabes, da mesma forma que nossa pizza pode ser comparada com a original italiana ou nosso sushi com o japonês. Em todas as situações, as versões brasileiras são muito mais temperadas e possuem variações de recheio jamais presentes nos países de origem. Particularmente a pizza, o manakeesh e o fatayer são considerados meros lanches em suas versões originais, e não possuem a valorização que recebem em nossa cultura.

Portanto, sabendo de tudo isso, fica certamente mais fácil degustar a legítima comida árabe quando você visitar um restaurante libanês autêntico, seja no Oriente Médio ou em qualquer outro lugar do mundo em que a culinária deste povo seja realmente preservada.

6 Respostas para Como Comer Comida Árabe nas Arábias

  1. João Luiz disse:

    Comi kafta (kofte) na Turquia e achei 1000x melhor do que quase qualquer uma que comi no Brasil. Gostava da combinação kafta, coalhada seca e arroz (ou batata frita) que comi lá. No Brasil não sei como tem tanta gente que coloca bacon na kafta, fica horrível, muda completamente o gosto. O pide turco é muito similar à sfiha brasileira, só que com formato diferente e bem maior. Eles comem bastante até, mas está longe de ser um prato comum. Sobre o beirute, foi criado no Brasil e parece não haver nada parecido em outros luagres.
    Acho interessante sobre a comida Armênia vendida no Brasil. Como os Armenios que imigraram pro Brasil vieram a maioria do Líbano há bem poucos pratos armênios nos restaurantes armênios no Brasil, estes tendo quase que somente pratos libaneses (sfiha, kibe, hommus, baba gannounch) não consumidos na Armênia em si
    Nunca estive no Líbano, ams pelo que pesquisei e vi em restaurantes árabes e turcos no exterior, os mais autênticos em SP estão no Brás, a maioria lugares muito simples. O “Fariq” em Pinheiros também é bastante autêntico e tem inclusive nas suas TVs clipes das músicas mais tocadas no Líbano hoje em dia.

  2. Andréa Sena disse:

    Já sei q os pratos que coniw no Brasil não são verdadeiramente “árabes” RS…
    Texto interessante!

  3. Anderson Folador disse:

    Borba, excelente post. Muito detalhado e um manual obrigatório para quem pretende ir em breve.
    O grande problema é quando bater a saudade e vc sair pela cidade para encontrar algo parecido.

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